terça-feira, 6 de outubro de 2009

Dificuldades ou meios de Aprendizagem

AS TEORIAS QUE EMBASAM O TRABALHO PSICOPEDAGÓGICO

Conhecer os fundamentos da psicopedagogia implica refletir sobre as suas origens teóricas, ou seja, revisar velhos impasses conceituais subjacentes à ação e à atuação da pedagogia e da psicologia no aprender do fenômeno educativo.
Do seu parentesco com a pedagogia, a psicopedagogia traz as indefinições e contradições de uma ciência cujos limites são os da própria vida humana. Envolve simultaneamente, a meu juízo, o social e o individual, em processos tanto transformadores quanto reprodutores. Da psicologia, a psicopedagogia herda o velho problema do paralelismo psicofísico, um dualismo que ora privilegia o físico (observável), ora o psíquico (a consciência).
Essas duas áreas não são suficientes para apreender o objeto de estudo da psicopedagogia – o processo de aprendizagem e suas variáveis – e nortear a sua prática. Dessa forma, recorre-se a outras áreas, como a filosofia, a neurologia, a sociologia, a lingüística e a psicanálise, no sentido de alcançar compreensão desse processo.
Para Sara Paín (1987, p.15):

Nesse lugar do processo de aprendizagem coincidem um momento histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a tantas outras estruturas teóricas, de cuja engrenagem se ocupa e preocupa a epistemologia; referimo-nos principalmente ao materialismo histórico, à teoria piagetiana da inteligência e à teoria psicanalítica de Freud, enquanto instauram a ideologia, a operatividade e o inconsciente.

Os autores brasileiros Neves, Kiguel, Scoz, Golbert, Rubinstein, Weiss, Barone e outros, assim como os argentinos Fernández (1985, p.12): “A epistemologia genética e a psicanálise são necessárias para a teoria psicopedagógica, mas não se confundem com ela, cujo fim é dar conta da articulação inteligência – desejo”. Jorge Visca (1987, p.7) considera que a psicopedagogia foi se perfilando como um conhecimento independente e complementar, por assimilação recíproca das contribuições das escolas psicanalítica, piagetiana e da psicologia social de Enrique Pichon-Rivière. Desta forma, entende esse autor ser possível compreender a participação dos aspectos afetivos, cognoscitivos e do meio que confluem no aprender do ser humano.
Para Sara Paín, (1986, p. 5), vale relembrar, que os que se defrontam com os problemas de aprendizagem devem fundamentar a sua prática na articulação da Psicanálise, da teoria piagetiana e do materialismo histórico. Por sua vez, Marina Muller (1986) aponta como suportes teóricos da psicopedagogia clínica – campo do qual essa argentina se ocupa – a psicanálise e a psicologia genética, bem como a psicologia social e lingüística. Os profissionais brasileiros também crêem nessa articulação como fundamento para a teoria e a prática psicopedagógicas, conforme veremos a seguir:
Sonia Moojen Kiguel (em Scoz ET AL,; 1990, p.25), fonoaudióloga e psicopedagoga, ao fazer considerações sobre a abordagem psicopedagógica, afirma:
A psicopedagogia terapêutica é um campo do conhecimento relativamente novo que surgiu na fronteira entre a pedagogia e a psicologia. Encontra-se ainda em fase de organização de um corpo teórico específico, visando a integração das ciências pedagógica, psicológica, fonoaudiológica, neuropsicológica, e psicolingüística, para uma compreensão mais integradora do fenômeno da aprendizagem humana.

Vemos nas palavras de Barone (1991, p. 113) um pensamento convergente para esse sentido:

A prática psicopedagógica vem colocando questões ainda pouco discutidas de manejo difícil e geradoras de conflito. Isto porque seu “paciente”, o sujeito com dificuldade de aprendizagem, apresenta, quase sempre, um quadro de comprometimentos que extrapola o campo de ação específico de diferentes profissionais, envolvendo dificuldades cognitivas, instrumentais e afetivas.

Vimos que, devido à complexidade do seu objeto de estudo, são importantes à psicopedagogia conhecimentos específicos de diversas outras teorias, as quais incidem sobre os seus objetos de estudos, por exemplo:

• A psicanálise encarrega-se do mundo inconsciente, das representações profundas, operantes por meio da dinâmica psíquica que se expressa por sintomas e símbolos, permitindo-nos levar em conta a face desejante do homem;
• A psicologia social encarrega-se da constituição dos sujeitos, que responde ás relações familiares, grupais, e institucionais, em condições socioculturais e econômicas específicas e que contextuam toda a aprendizagem;
• A epistemologia e a psicologia genética encarregam-se de analisar e descrever o processo construtivo do conhecimento pelo sujeito em interação com os outros e com os objetos;
• A lingüística traz a compreensão da linguagem como um dos meios que caracterizam o tipicamente humano e cultural: a língua enquanto código disponível a todos os membros de uma sociedade, e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e historiado de acesso à estrutura simbólica;
• A pedagogia contribui com as diversas abordagens do processo ensino-aprendizagem, analisando-o do ponto de vista de quem ensina;
• Os fundamentos na neuropsicologia possibilitam a compreensão dos mecanismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais, indicando-nos a que correspondem, do ponto de vista orgânico, todas as evoluções ocorridas no plano psíquico.

Ora, nenhuma dessas áreas surgiu especificamente para responder à problemática da aprendizagem humana. elas, no entanto, nos fornecem meios para refletir cientificamente e operar no campo psicopedagógico, o nosso campo.
Vejamos um exemplo: uma criança nos é encaminhada por não aprender a ler e a escrever – situação, por sinal, bastante comum no dia-a-dia, seja no consultório, seja na instituição escolar. Recorremos então, a um corpo teórico para que alguns elementos nos ajudem a iluminar o epicentro do problema. Começamos por analisar algumas questões que surgem no nosso trabalho de auxiliar esse sujeito a restabelecer o seu processo de aprendizagem ou, por outra, a entrar no curso da aprendizagem. Pois bem, será que a metodologia utilizada no processo de alfabetização é adequada? Essa questão envolve aspectos do processo ensino-aprendizagem que devem ser vistos à luz de teorias pedagógicas. Além disso, a construção desse novo objeto de conhecimento- o processo de leitura-escrita implica processos cognitivos que podem ser compreendidos por meio da psicologia genética, por exemplo. Ou será que o processo se acha inviabilizado na relação professor-aluno? Estaria o aluno estabelecendo uma relação transferencial com o professor, a qual não lhe permite o aprender, ou vice-versa? Ou ainda, o acesso à leitura-escrita poderia se tornar algo persecutório por estar relacionado com o crescimento? Essa análise, enfim, conforme vimos sublinhando, envolve o respaldo de outras disciplinas, seja no caso uma cultura psicanalítica que permita identificar mecanismos psíquicos, de representação, que atuam no sentido da não-aprendizagem para esse sujeito.
Podemos, por outro lado, estar diante de um caso em que o sujeito tenha sofrido uma anóxia de parto que lhe ocasionou uma lesão cerebral, atingindo a área cortical da linguagem. Como nos asseguramos dessas informações, que, uma vez confirmadas. Dão um direcionamento muito diferenciado das situações anteriores? Evidencia-se, neste caso, que alguns princípios da neurologia são de fundamental importância ao profissional da psicopedagogia, desde o encaminhamento a outros profissionais até a definição da forma de tratamento.
Podemos ainda nos deparar com uma ocorrência em que a dificuldade advenha de diferenças culturais e de linguagem. A estranheza dos significantes do professor para o aluno, e vice-versa, gera problemas na própria comunicação, comprometendo deste modo a leitura e a escrita, já que essas se configuram em um ato de comunicação. A lingüística, nesta situação exemplar, pode oferecer um aparato conceitual que venha a operar no sentido de explicitar ao psicopedagogo a causa da problemática e, quem sabe, permitir-lhe uma eficiente intervenção.
De sua parte, a psicologia social ilumina a natureza do grupo a que pertence o sujeito da aprendizagem e as interferências socioculturais desse grupo nesse sujeito. Enfim, esse e os demais exemplos aqui apresentados atestam situações em que, requerendo elementos conceituais de outros corpos teóricos, a psicopedagogia pensa o seu objeto de estudo, exemplos em que se registra essa cooperação, esse operar com outros sobre um problema, uma anomalia.
Os profissionais da psicopedagogia, como quaisquer outros profissionais, sustentam a sua prática em pressupostos teóricos muitas vezes distintos, conforme já referido antes. Isso implica diversificados enquadres, conseqüências da identificação do profissional com determinada corrente teórica. O psicopedagogo pode, por exemplo, dentro das teorias da personalidade, escolher a psicanálise com o objetivo de compreender o sentido inconsciente das dificuldades de aprendizagem. Tal escolha estaria alicerçada na condição pessoal de psicopedagogo, a qual é oriunda da sua experiência de análise e das condições da sua formação.
Essa opção implica determinado procedimento prático, no qual o trabalho psicopedagógico consistiria em propor à criança a realização de determinadas tarefas e acompanhá-la na sua execução. O foco de atenção do psicopedagogo, porém, é a reação da criança diante da tarefa, considerando resistências, bloqueios, lapsos, hesitações, repetições, sentimentos e angústias frente a certas situações. Além de outros procedimentos, o psicopedagogo faz as intervenções, que visam permitir à criança entrar em contato com o sentido inconsciente das suas dificuldades.
Menos como uma digressão, do que como um breve lembrete, poderíamos sublinhar que Freud já previu a possibilidade de se recorrer à psicanálise na compreensão dos diversos sintomas (remetemo-nos ao uso psicanalítico do termo sintoma). O problema de aprendizagem enquanto sintoma, pode ser comparado, na sua dinâmica, com o sintoma conversivo. Frente a enfermidades que apareciam no corpo e que não podiam ser explicadas pela medicina, Freud chega a noção de inconsciente para o corpo. A partir daí começa a pensar nas formações do inconsciente não se manifesta de forma direta, nem se pode circunscrevê-lo ou delimitá-lo, mas aprece através das fraturas: o chiste, o lapso, o ato falho, o sonho e o sintoma. “O futuro provavelmente atribuirá muito maior importância, a psicanálise como a ciência do inconsciente de que como um procedimento terapêutico” (Freud, 1976, v. XX, p. 303). Como ciência do inconsciente, portanto, a psicanálise permite a compreensão do sintoma enquanto problema de aprendizagem, percebendo-o como uma manifestação humana carregada de significado.
Entretanto, não só à psicanálise recorre o psicopedagogo. Como vimos, ele busca conhecimentos também na psicologia genética, na psicologia social, na pscolinguística, etc. Sabemos igualmente que nenhuma dessas áreas surge para responder aos problemas de aprendizagem: as diversas combinações entre elas resultam, entretanto, em posturas teórico-práticas diversificadas, porém com diversos pontos de convergência. Assim, a partir de pressupostos teóricos iniciais da medicina, da psicologia e da pedagogia, forma-se constituindo concepções acerca dos problemas de aprendizagem, as quais se transformaram e, consequentemente, transformaram a prática psicopedagógica, até esta chegar à configuração atual. De qualquer modo, a psicopedagogia se encontra em fase embrionária, e seu corpo teórico acha-se em construção, amalgamando-se ou estruturando o seu arcabouço lógico-principal ou ideal. A cada dia surgem novas idéias, novas situações e mais transformação: o psicopedagogo então transforma a teoria, e, por seu turno, a teoria o transforma.
Podemos caracterizar a psicopedagogia como uma área de confluência do psicológico (a subjetividade do ser humano enquanto tal) e o educacional (atividade especificamente humana, social e cultural). Tratando do mundo psíquico individual e grupal em relação à aprendizagem e aos sistemas e processos educativos, o psicopedagogo ensina como aprender e, para isso, necessita apreender o aprender e a aprendizagem. Para o psicopedagogo, aprender é um processo que implica pôr em ação diferentes sistemas que intervêm em todo sujeito: a rede de relações e códigos culturais e de linguagem que, desde antes do nascimento, têm lugar em cada ser humano à medida que ele se incorpora à sociedade.
A aprendizagem, afinal, é responsável pela inserção da pessoa no mundo da cultura. Mediante a aprendizagem, o indivíduo se incorpora ao mundo cultural, com uma participação ativa, ao se apropriar de conhecimentos e técnicas, construindo em sua interioridade um universo de representações simbólicas.
Pois bem, nesse trabalho de ensinar a aprender, o psicopedagogo recorre a critérios diagnósticos no sentido de compreender a falha na aprendizagem – daí o caráter clínico da psicopedagogia, ainda que o seu objetivo seja a prevenção dos problemas de aprendizagem. É clínico porque envolve sempre um processo diagnóstico ou de investigação que precede o plano de trabalho. Esse diagnóstico consiste na busca de um saber para saber-fazer. Por meio das observações obtidas nesse processo de investigação, o psicopedagogo inicia a construção de seu plano de trabalho. “O diagnóstico não completa o olhar interpretativo nem diagnóstico: todo processo terapêutico é também diagnóstico”. (Fernández, 1990, p.44), ocorrendo também no trabalho institucional, no qual após o momento inicial de investigação, se inicia um processo de intervenção, com a implantação de recursos capazes de solucionar o problema tão logo este se anuncie. Durante esse processo de intervenção, o profissional não abandona o olhar interpretativo que caracteriza a prática psicopedagógica.
A investigação diagnóstica envolve a leitura de um processo complexo, no qual todas as ambigüidades de atribuição de sentido a uma série de manifestações conscientes e inconscientes se fazem presentes. Interjogam aí o pessoal, o familiar atual e passado, o sociocultural, o educacional, a aprendizagem sistemática. O decifrar do sentido da dificuldade de aprendizagem repercute sobre o problema que interpretamos: a nossa linguagem sobre a linguagem da enfermidade nos leva a um compromisso, ou seja, ao diagnóstico, promotor de decisões acerca do tratamento.
As observações de Ajuriaguerra (1970, p. 1) nos falam das dificuldades inerentes ao processo diagnóstico no trabalho psicopedagógico com a criança e com o adolescente,

ainda mais do que com o adulto, é com a criança que encontramos dúvidas nosográficas. Sujeito em evolução, a criança é móvel em suas estruturas e maleável em suas manifestações; o mesmo acontece em patologia.

A leitura do diagnóstico pode variar segundo cada profissional, em função da sua formação, dos marcos referenciais que sustentam a sua prática e a abordagem teórica com a qual ele se identifica. Essa questão é ainda mais controvertida quando se fala na atuação psicopedagógica no Brasil, devido às suas condições de formação.
Atualmente, a psicopedagogia refere-se a um saber e a um saber-fazer, às condições subjetivas e relacionais - em especial familiares e escolares -, a inibições, atrasos e desvios do sujeito ou grupo a ser diagnosticado. O conhecimento psicopedagógico não se cristaliza em uma delimitação fixa, nem nos déficits e alterações subjetivas do aprender, mas avalia a possibilidade do sujeito, a disponibilidade afetiva de saber e de fazer, reconhecendo que o saber é próprio do sujeito.

O CAMPO DE ATUAÇÃO DA PSICOPEDAGOGIA

O campo de atuação do psicopedagogo refere-se não só ao espaço físico onde se dá esse trabalho, mas também e em especial ao espaço epistemológico que lhe cabe, ou seja, ao lugar deste campo de atividade e ao modo de abordar o seu objeto de estudo.
A forma de abordar o objeto de estudo pode assumir características específicas, a depender da modalidade: clínica, preventiva e teórica, umas articulando-se às outras. O trabalho clínico não deixa de ser preventivo, uma vez que, ao tratar alguns transtornos de aprendizagem, pode evitar o aparecimento de outros. O trabalho preventivo, numa abordagem psicopedagógica, é sempre clínico, levando em conta a singularidade de cada pessoa. Essas duas formas de atuação, por sua vez, não deixam de resultar em um trabalho teórico. Tanto na prática preventiva quanto na clínica, o profissional, como já vimos anteriormente, procede sempre embasado no referencial teórico adotado.
Ao delimitar o campo de atuação do trabalho psicopedagógico, deve-se no entanto, diferenciar essas modalidades de atuação, especificando as suas tarefas. Dessa forma, o trabalho psicopedagógico na área preventiva é de orientação no processo ensino aprendizagem, visando favorecer a apropriação do conhecimento pelo ser humano, ao longo da sua evolução. Esse trabalho pode se dar na forma individual ou na grupal, na área da saúde mental e da educação.
Na sua função preventiva, cabe ao psicopedagogo:
• Detectar possíveis perturbações no processo de aprendizagem;
• Participar da dinâmica das relações da comunidade educativa, a fim de favorecer processos de integração e troca;
• Promover orientações metodológicas de acordo com as características dos indivíduos e grupos;
• Realizar processos de orientação educacional, vocacional e ocupacional, tanto na forma individual quanto em grupo.

O trabalho psicopedagógico pode, certamente, ter um caráter assistencial. Isso acontece quando, por exemplo, o psicopedagogo participa de equipes responsáveis pela elaboração, direção e evolução de planos, programas e projetos no setor de educação e saúde, integrando diferentes campos de conhecimento. A psicopedagogia ocupa-se, assim, de todo o contexto da aprendizagem, seja na área clínica, preventiva, assistencial, envolvendo elaboração teórica no sentido de relacionar os fatores envolvidos nesse ponto de convergência em que opera.
A elaboração teórica visa criar um corpo teórico da psicopedagogia, com processos de investigação e diagnóstico que lhe sejam específicos, por meio de estudo das questões educacionais e da saúde, no que concerne ao processo de aprendizagem. Implica, desta maneira, uma reflexão constante sobre a pertinência da aplicação das diversas teorias ao campo da psicopedagogia, por meio de avaliação da prática resultante desses pressupostos. Esse trabalho consiste em uma leitura e releitura do processo de aprendizagem e do processo da não-aprendizagem, bem como da aplicabilidade e dos conceitos teóricos, resultando em novos contornos e significados, proporcionando práticas mais consistentes.
Já na área da saúde, o trabalho é feito em consultórios privados e/ou em instituições de saúde (como hospitais), no sentido de reconhecer e atender às alterações da aprendizagem sistemática e/ou assistemáticas, de natureza patológica. Existe também uma proposta de atuação nas empresas, onde o objetivo seria favorecer a aprendizagem do sujeito para uma nova função, auxiliando-o para um desenvolvimento mais efetivo de suas atividades.
Historicamente, a psicopedagogia nasceu para atender a patologia da aprendizagem, mas ela se tem voltado cada vez mais para uma ação preventiva, acreditando que muitas dificuldades de aprendizagem se devem à inadequada pedagogia institucional e familiar. A proposta da psicopedagogia, em uma ação preventiva, é adotar uma postura crítica frente ao fracasso escolar, em uma concepção mais totalizante, visando propor novas alternativas de ação voltadas para a melhoria da prática pedagógica nas escolas.
Segundo Lino de Macedo (1990), o psicopedagogo no Brasil, ocupa-se das seguintes atividades:
1. orientação de estudos – consiste em organizar a vida escolar da criança quando esta não sabe fazê-lo espontaneamente. Procura-se promover o melhor uso do tempo, a elaboração de uma agenda e tudo aquilo que é necessário ao “como estudar” (como ler um texto, como escrever, como estudar para a prova, etc.);
2. apropriação dos conteúdos escolares – o psicopedagogo visa propiciar o domínio de disciplinas escolares em que a criança não vem tendo um bom aproveitamento. Ele se diferencia do professor particular, pois o conteúdo escolar é usado apenas como estratégia para ajudar e fornecer ao aluno o domínio de si próprio e as condições necessárias ao desenvolvimento cognitivo.
3. desenvolvimento do raciocínio – trabalho feito com os processos de pensamento necessários ao ato de aprender. Os jogos são muito utilizados pois são férteis no sentido de criarem um contexto de observação e diálogo sobre processos de pensar e de construir o conhecimento. Este procedimento pode promover um desenvolvimento cognitivo maior do que aquele que as escolas costumam alcançar.
4. atendimento de crianças – a psicopedagogia se presta a atender deficientes mentais, autistas ou crianças com comprometimentos orgânicos mais graves, podendo até substituir o trabalho da escola. Para Lino de Macedo estas quatro atividades não são excludentes entre si nem em relação a outras. O atendimento psicopedagógico poderá, em determinados casos, recorrer a propostas corporais, artísticas, etc. De qualquer forma, está sempre relacionado com o trabalho escolar, ainda que com ele não esteja diretamente comprometido.

Para Janine Mery (1985), o psicopedagogo é um professor de tipo particular, que realiza a sua tarefa de pedagogo, sem perder de vista os propósitos terapêuticos da sua ação. Qualquer que tenha siso a sua formação (psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogo, professor), ele assumirá sempre a dupla polaridade do seu papel, o que determinará o modo de ser, perante a criança e seus familiares, bem como diante da equipe a que pertence. O trabalho do psicopedagogo, de acordo com Mery, possui as seguintes especificidades:
• o “transtorno de aprendizagem” é encarado como manifestação de uma perturbação que envolve a totalidade da personalidade;
• o desenvolvimento infantil é considerado a partir de uma perspectiva dinâmica, e é dentro dessa evolução dinâmica que o sintoma “transtorno de aprendizagem” é estudado. Assim, se for oferecida uma forma de relação melhor e diferente à criança, ela deverá retomar a sua evolução normal;
• a neutralidade do papel de psicopedagogo é negada, e este conhece a importância da relação transferencial entre o profissional e o sujeito da aprendizagem;
• o objetivo do psicopedagogo é levar o sujeito a reintegrar-se à vida escolar normal, respeitando as suas possibilidades e interesses.

O psicopedagogo, ainda segundo Janine Mery (1985), respeita a escola tal como é, apesar de suas imperfeições, porque é através da escola que o aluno se situará em relação aos seus semelhantes, optará por uma profissão, participará da construção coletiva da sociedade a qual pertence. Isso não impedirá que o pscicopedagogo colabore para a melhoria das condições de trabalho numa determinada escola ou na conquista de seus objetivos. Em seu trabalho, ele deverá fazer com que a criança enfrente a escola de hoje, e não a de amanhã. Esse enfrentamento, no entanto, não significaria impor à criança normas arbitrárias ou sufocar-lhe a individualidade. Busca-se sempre desenvolver e expandir a personalidade do indivíduo, favorecendo as suas iniciativas pessoais, suscitando os seus interesses, respeitando os seus gostos, propondo e não impondo atividades, procurando sugerir pelo menos duas vias para a escolha do rumo a ser tomado, permitindo a opção. Assim, tanto no seu exercício na área educativa, como na da saúde, pode-se considerar que o psicopedagogo tem uma atitude clínica frente ao seu objeto se estudo. Isso não implica que o lugar de trabalho seja a clínica, mas se refere às atitudes do profissional ao longo da sua atuação.

BOSSA, Nadia A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 3ª ed. – Porto Alegre: Artmed, 2007.

Aula - Professora Viviane - POS Psicopedagogia

Nenhum comentário: